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quinta-feira, 4 de outubro de 2012

SERMÃO DE SÃO JOÃO MARIA VIANNEY, SOBRE O RESPEITO HUMANO.





Beatus qui non fuerit scandalizatus in me
(S. Mat, XI. 6)


Nada mais glorioso e honroso para um cristão, que levar o nome sublime de filho de Deus, de irmão de Jesus Cristo. Mas, ao mesmo tempo, nada mais infame que envergonhar-se de ostentá-lo cada vez que se apresente ocasião para isso. Não, não vos maravilheis ao ver homens hipócritas, que fingem o quanto podem um exterior de piedade para atrair a estima e os aplausos dos demais, enquanto que seu pobre coração se acha devorado pelos mais infames pecados. Querem, estes cegos, gozar das honras inseparáveis da virtude, sem ter o incômodo de praticá-las. Mas maravilhemo-nos ainda menos ao ver a outros, bons cristãos, ocultarem, enquanto podem suas boas obras aos olhos do mundo, temerosos de que a vanglória se insinue em seus corações e de que os vãos aplausos dos homens lhes façam perder o mérito e a recompensa delas. Mas, onde encontrar, meus irmãos, covardia mais criminosa e abominação mais detestável que a nossa, que, professando crer em Jesus Cristo, estando obrigados pelos mais sagrados juramentos a seguir suas pisadas, a defender seus interesses e sua glória, ainda que à custa de nossa própria vida, somos tão vis, que, na primeira ocasião, violamos as promessas que lhe fizemos nas sagradas fontes batismais? Ah! , infelizes! Que fazemos? Quem é Aquele a quem renegamos? Ai! Abandonamos o nosso Deus, o nosso Salvador, para nos tornamos escravos do demônio, que nos engana e não busca outra coisa senão a nossa ruína e nossa eterna infelicidade. Oh, maldito respeito humano, que arrasta as almas ao inferno. Para melhor fazê-los ver sua baixeza, os mostrarei: 1º. O quanto ofende a Deus o respeito humano, ou seja, a vergonha de fazer o bem; 2º. Quão débil e mesquinho de espírito, revela ser àquele que o comete.

I – Não nos ocupemos, meus irmãos, daquela primeira classe de ímpios que empregam seu tempo, sua ciência e sua miserável vida em destruir, se pudessem, nossa santa religião. Estes desgraçados parecem não viver senão para tornar insignificantes os sofrimentos e os méritos da morte e paixão de Jesus Cristo. Têm empregado uns, sua força, outros sua ciência, para quebrar a pedra sobre a qual Jesus Cristo edificou Sua Igreja, que é nossa santa religião, a qual subsistirá a despeito de todos os seus esforços.
Com efeito, meus irmãos, no que resultou toda a fúria dos perseguidores da Igreja, dos Neros, dos Maximinianos, dos Dioclecianos, de tantos outros que julgaram faze-la desaparecer da terra com a força de suas armas? Sucedeu-se exatamente o contrário: O sangue de tantos mártires, como disse Tertuliano, somente serviu para fazer florescer ainda mais a religião; aquele sangue era uma semente de cristãos, que produzia a cem por um. Desgraçados! O que fez a eles esta santa e nobre religião para que assim a persigais, quando somente ela, pode fazer o homem feliz aqui na terra? Ai! Como choram e gemem agora nos infernos, onde conhecem claramente que esta religião, contra a qual se desenfrearam, poderia ter-lhes levado ao Paraíso! Mas, vãos e inúteis lamentos!
Olhai igualmente a esses outros ímpios que fizeram o quanto esteve em suas mãos para destruir nossa santa religião com seus escritos, um Voltaire, Um Rousseau, um Diderot, um D’Alembert, um Volney e tantos outros que passaram a vida vomitando com seus escritos quanto podia inspirar-lhes o demônio. Ai! Muito mal fizeram, é verdade; muitas almas perderam, arrastando-as consigo ao inferno; mas não puderam destruir a religião como pensavam. Longe de quebrar a pedra sobre a qual Jesus Cristo edificou sua Igreja, que há de durar até o fim do mundo, se chocaram contra ela. Onde estão agora estes desventurados ímpios? Ai! No inferno onde choram sua desgraça e a de todos aqueles, que consigo arrastaram.
Nada digamos tampouco, irmãos, de outra classe de ímpios que, sem manifestarem-se abertamente inimigos da religião, da qual conservam, todavia algumas práticas externas se permitem, não obstante, certos gracejos, sobre a virtude ou piedade daqueles a quem não se sentem com ânimo de imitar. Diz-me, amigo, que te tem feito esta religião que herdastes dos teus antepassados, que eles tão fielmente praticaram diante de seus olhos, da qual tantas vezes lhe disseram que somente ela pode fazer a felicidade do homem na terra, e que, ao abandoná-la, não podíamos senão sermos infelizes? E aonde pensas que te conduziram amigo, teus comentários ímpios? Ai! Pobre amigo! Ao inferno, para chorares a tua cegueira.
Tampouco nada diremos desses cristãos que só o são de nome; que praticam seus deveres de cristãos de um modo tão miserável, que há de morrer-se de compaixão (por eles). Vereis que fazem suas orações com fastio, dissipados, sem respeito. Os vereis na Igreja sem devoção; para eles, a santa Missa começa sempre tão prontamente e acaba demasiado tarde; o sacerdote nem ( bem) desceu do altar, e eles já estão na rua. Da freqüência dos Sacramentos, nem falemos; se alguma vez se aproximam deles para recebê-los, seu ar de indiferença vai apregoando que absolutamente não sabem o que fazem. Tudo o que diz respeito ao serviço de Deus o praticam com um tédio espantoso. Bom Deus! Quantas almas perdidas por toda a eternidade! Deus meu! Quão pequeno há de ser o número dos que entram no reino dos céus, quando tão poucos fazem o que devem por merecê-lo!
Mas onde estão – me direis – os que se fazem culpáveis de respeito humano? Atentai-me um instante, meus filhos, e já saberão. Prontamente vos direi com São Bernardo que por qualquer ângulo que se olhe o respeito humano, que é a vergonha de cumprir os deveres da religião por causa do mundo, em tudo revela ele, menosprezo de Deus, de suas graças e cegueira da alma. Digo, em primeiro lugar, meus filhos, que a vergonha de praticar o bem, por medo do desprezo e dos escárnios de alguns ímpios miseráveis ou de alguns ignorantes, é um assombroso menosprezo que fazemos da presença de Deus, ante a qual, estamos sempre e que no mesmo instante poderia nos lançar no inferno. E por que motivo, meus filhos, esses maus cristãos zombam de vós e ridicularizam a vossa devoção? Ah! Meus filhos! Eu vos direi a verdadeira causa: é que, não tendo virtude para fazer o que vós fazeis, lhes têm aversão, porque com vossa conduta, despertais remorsos em suas consciências; mas estais bem seguros de que seus corações, longe de despreza-los, os têm em grande estima. Se eles têm necessidade de um bom conselho ou de alcançar de Deus alguma graça, não creiais que procuram os que se portam como eles, mas sim àqueles mesmos de quem zombaram, pelo menos com palavras. Envergonhas-te, amigo, de servir a Deus, por temor de ver-te desprezado? Olha Àquele que morreu nesta cruz; pergunta-lhe se se envergonhou de ser desprezado, e de morrer da maneira mais humilhante naquele infame patíbulo. Ah! Que ingratos somos para com Deus, que parece achar sua glória em fazer publicar de século em século que nos têm escolhido por filhos seus! Oh! Deus meu! Que cego e desprezível é o homem que teme um miserável “que dirão?”, e não teme ofender a um Deus tão bom! Digo, além disso, que o respeito humano nos faz desprezar todas as graças que o Senhor nos mereceu com sua paixão e morte. Sim, filhos meus, pelo respeito humano inutilizamos todas as graças que Deus tem destinado para salvar-nos. Oh! Maldito respeito humano, que às almas arrasta ao inferno!
Em segundo lugar, digo que o respeito humano encerra a cegueira mais deplorável. Ai! Não detemos a atenção no que perdemos. Ah! Filhos meus! Que desgraça para nós! Perdemos a Deus, ao qual nenhuma coisa poderá jamais substituir. Perdemos o céu, com todos os seus bens e delícias. Mas há ainda outra desgraça, é que tomamos o demônio por pai e ao inferno com todos os seus tormentos por nossa herança e recompensa. Trocamos nossas doçuras e gozos eternos em penas e lágrimas. Ai! Amigo, em que pensas? Como terás que arrepender-se por toda a eternidade! Oh! Meu Deus! Podemos pensar nisso e ainda assim vivermos escravos do mundo?
É verdade – me direis – que quem por temor ao mundo não cumpre seus deveres de religião é bem desgraçado, posto que nos diz o Senhor que a quem se envergonhar de servi-lO diante dos homens, Ele se envergonhará de reconhece-lo diante de seu Pai no dia do juízo ( cf. S. Mat; X,33). Deus meu! Temer ao mundo; e por quê? Sabendo como sabemos que é absolutamente necessário ser desprezado pelo mundo para agradar a Deus. Se temias ao mundo, não devias haver-te feito cristão. Sabias bem que nas sagradas águas do batismo fazias juramento na presença do próprio Jesus Cristo; que renunciavas ao mundo e ao demônio; que te obrigavas a seguir a Jesus Cristo levando sua cruz, coberto de opróbrios e desprezos. Temes ao mundo? Pois bem, renuncia ao teu batismo, e entrega-te a esse mundo, ao qual temes tanto desagradar.
Mas quando é – me direis – que agimos nós por respeito humano? Escuta bem, meu amigo. É um dia em que, estando na feira, ou em uma casa onde se come carne em dia proibido, se te convidam a comê-la também, e tu contentando-te em baixar os olhos e ruborizar-te em vez de dizer que és cristão e que tua religião te proíbe, a come com os demais, dizendo: Se não faço como eles, debocharão de mim – Debocharão de ti amigo? Ah! Tens razão; e é uma verdadeira lástima! – Oh! É que faria, ainda muito mais mal, sendo a causa de todos os disparates que diriam contra a religião, que o que faço comendo carne – como assim? – farias ainda mais mal? Parece-te bem que os mártires, por temor das blasfêmias e juramentos de seus perseguidores, houvesse todos, renunciado a sua religião? Se outros agem mal, tanto pior para eles. Ah! Diga-se melhor, não é bastante que outros desgraçados crucifiquem a Jesus com sua má conduta, para que tu também te juntes a eles para fazer sofrer ainda mais a Jesus Cristo? Temes que zombem de ti? Ah! Infeliz! Olha a Jesus Cristo na cruz, e verás quanto por ti (ele) tem feito.
De modo que, não sabes tu quando negas a Jesus Cristo? É um dia em que, estando em companhia de duas ou três pessoas, parece que caíram suas mãos, ou que não sabes fazer o sinal da cruz, e olhas se tem os olhos fixos em ti, e te contentas em dizer sua benção e ação de graças na mesa mentalmente, ou te retiras a um canto para dizê-las. É quando, ao passar diante de uma cruz, te fazes de distraído, ou dizes que não foi por nós que Deus morreu nela.
Não sabes tu quando tens respeito humano? É um dia em que, achando-te em um lugar* onde se dizem obscenidades contra a santa virtude da pureza ou contra a religião, não tens coragem para repreender aos que assim falam, antes ]ao contrário, por temor de suas gozações, tu sorris. – É que não há – dizes – outro remédio, se não quero ser objeto de contínua zombaria. – Temes que zombem de ti? Por este mesmo temor negou São Pedro ao divino Mestre; mas o temor não lhe livrou de cometer um grande pecado, que chorou em seguida toda a sua vida.
Não sabes tu quando tens respeito humano? É quando o Senhor te inspira o pensamento de ir confessar-te, e sentes que tens necessidade disso, mas pensas que zombariam de ti chamando – o de devoto. É quando te vem o pensamento de assistir a santa Missa durante a semana, e nada te impede de ir; mas dizes a ti mesmo que zombariam de ti e que diriam: Isto é bom para quem nada tem a fazer, para os que vivem de renda.
Quantas vezes este maldito respeito humano te tem impedido de assistir ao catecismo e à oração da tarde! Quanta vez, estando em tua casa, ocupado em algumas orações e leituras, tens te escondido por vergonha ao ver que alguém chegava! Quantas vezes, este respeito humano te tem feito quebrar a lei do jejum ou da abstinência por não atrever-te a dizer que jejuavas ou comias de vigília! Quantas vezes deixas, de dizer o Ângelus diante das pessoas, ou te tens contentado em dizê-lo para ti, ou tens saído do local donde estavas com outros para dizê-lo fora!
Quanta vez tem omitido as orações da manhã ou da noite por achar-se com outros que não as fazem; e tudo isto por temor de que zombassem de ti! Anda pobre escravo do mundo, aguarda o inferno donde serás precipitado; não te faltará ali tempo para lamentar a falta do bem que o mundo te tem impedido de praticar.
Oh, bom Deus! Que triste vida leva o que quer agradar ao mundo e a Deus! Não, amigo, te enganas. Além de que viverás sempre infeliz, não hás de conseguir agradar a Deus e ao mundo; é coisa tão impossível quanto por fim a eternidade. Ouve um conselho que eu vou te dar, e serás menos desgraçado: entrega-te inteiramente a Deus ou ao mundo; não busques nem sigas mais que a um amo; mas uma vez escolhido, não lhe deixes já. Acaso não te recordas do que te disse Jesus Cristo no Evangelho: Não podes servir a Deus e ao mundo, ou seja, não podes seguir ao mundo com seus prazeres e a Jesus Cristo com sua cruz. Não é que te faltem planos para ser, ora de Deus, ora do mundo. Digamo-lo com mais clareza: é lastimável que tua consciência, que teu coração te permita freqüentar pela manhã a sagrada mesa e o baile à tarde; passar uma parte do dia na igreja e outra parte na taberna ou no jogo, falar um pouco do bom Deus e outro tanto de obscenidades ou de calúnias contra teu próximo; fazer hoje um favor a teu vizinho e amanhã uma ofensa; em uma palavra, ser bom e portar-se bem e falar de Deus em companhia dos bons, e obrar o mal em companhia dos malvados.
Ai! Meus filhos! A companhia dos perversos nos leva a agir mal. Quantos pecados não evitaríamos, se tivéssemos a felicidade de apartar-nos de pessoas sem religião! Refere Santo Agostinho que muitas vezes, achando-se entre pessoas perversas, sentia vergonha de não iguala-las na maldade, e, para não ser tido por menos, ainda se gloriava do mal que não havia cometido.
Pobre cego! Quão digno és de lástima! Que triste vida!... Ah! Maldito respeito humano! Quantas almas arrastas ao inferno! De quantos crimes és a causa! Ah! Quão culpável é o desprezo das graças que Deus nos quer conceder para salvar-nos Ai! Quantos e quantos tem começado o caminho de sua reprovação pelo respeito humano, porque, à medida que iam desprezando as graças que Deus lhes concedia, a fé ia se amortecendo em suas almas; e pouco a pouco iam sentindo menos a gravidade do pecado, a perda do céu, as ofensas, que pecando faziam a Deus. Assim acabaram por cair em uma completa paralisia, ou seja, por não dar-se conta do infeliz estado de sua alma; dormiram no pecado e a maior parte morreu nele.
No Sagrado Evangelho lemos que Jesus Cristo em suas missões cumulava de toda a sorte de graças os lugares por onde passava. Uma vez era um cego, a quem devolvia a vista; um surdo a quem devolvia a audição, um leproso a quem curava de sua lepra, mais além um defunto, a quem restituía a vida. Contudo, vemos que eram muito poucos os que anunciavam os benefícios que acabavam de receber. E por que isto meus filhos? É que temiam os judeus, por que não se podia ser amigo dos judeus e de Jesus. E assim, quando se achavam com os judeus,pareciam aprová-los com o seu silêncio. Eis aqui precisamente o que nós fazemos: quando nos achamos a sós, ao refletirmos sobre todos os benefícios que temos recebido do Senhor não podemos senão testificar-lhe nosso reconhecimento por havermos nascidos cristãos, por havermos sido confirmados; mas quando estamos com os libertinos, parece que compartilhamos de seus sentimentos, aplaudindo com nossos sorrisos ou nosso silêncio suas impiedade. Oh, que indigna preferência, exclama São Máximo! Ah! Maldito respeito humano, que arrastas almas ao inferno! Que tormento não passará, meus filhos, uma pessoa que assim quer viver e agradar a dois contrários! Temos disso um eloqüente exemplo no Evangelho. Lemos ali que o rei Herodes se havia enredado em um amor criminoso com Herodíades. Tinha esta infame cortesã uma filha que dançou diante dele com tanta graça que lhe prometeu o rei quanto ela lhe pedisse, ainda que fosse a metade de seu reino. Absteve-se bem a infeliz de pedi-lo, porque não era bastante; foi-se a encontrar com sua mãe para tomar conselho sobre o que devia pedir ao rei, e a mãe mais infame que sua filha, apresentando-lhe uma bandeja, lhe disse: “Vá e pede que ponha neste prato a cabeça de João Batista, para trazê-la.”. Fez isso para vingar-se, por haver-lhe João Batista jogado em sua cara, sua má vida. Ficou o rei surpreendido de espanto ante este pedido; pois por um lado apreciava a São João Batista, e lhe pesava a morte de um homem tão digno de viver. Que iria fazer? Que partido iria tomar? Ah! Maldito respeito humano, o decidirás? Herodes não quisera decretar a morte de João Batista; mas por outro lado, teme que zombem dele, porque, sendo rei, não manteve sua palavra. Vê, diz por fim o infeliz a um dos verdugos, vai e corta a cabeça de João Batista; prefiro deixar que grite minha consciência, a que zombem de mim. Mas que horror! Ao aparecer a cabeça na sala, os olhos e a boca, ainda que fechados, pareciam reprovar-lhe seu crime e ameaçar-lhe com os mais terríveis castigos. Ante sua vista, Herodes empalidece e se estremece. Ai! Que o que se deixa guiar pelo respeito humano é bem digno de lástima.
È verdade, que o respeito humano não nos impede de fazer algumas boas obras. Mas quantas vezes, nas mesmas boas obras, nos fazem perder os méritos, que não faríamos se não esperássemos ser por elas louvados e estimados pelo mundo! Quantos não vêm à igreja, senão por respeito humano, pensando que, desde o momento em que uma pessoa não pratica a religião, pelo menos exteriormente, não se tem confiança nela, pois como se costuma dizer: Onde não há religião, tampouco há consciência! Quantas mães que parecem ter muito cuidado com seus filhos, o fazem somente para serem estimadas aos olhos do mundo! Quantos que se reconciliam Com seus inimigos somente para não perder a estima das pessoas! Quantos que não seriam tão corretos, se não soubessem que sem isso perderiam o louvor mundano! Quantos que são mais reservados na igreja por causa do mundo! Oh! Maldito respeito humano, que com suas boas obras feitas em vão, ao invés de conduzir muitos cristãos ao céu, nada fazem senão empurra-los ao inferno!
Mas- me direis – é que é muito difícil que o mundo se intrometa em tudo que alguém faz. (...) Não temos de esperar nossa recompensa do mundo, mas sim, somente de Deus. Se me louvam, sei bem que não mereço, porque sou pecador; se me desprezam, nada há de extraordinário nisso, tratando-se de um pecador como eu, que tantas vezes tem desprezado com seus pecados ao senhor; muito mais mereceria. Por outro lado, não nos tem dito Jesus Cristo: Bem aventurados os que são desprezados e perseguidos? E quem são os que os desprezam? Ai! São alguns pecadores infelizes, que, não tendo o valor de fazer o que vós fazeis, para dissimular sua vergonha queriam que obrásseis como eles; algum pobre cego que, bem longe de desprezá-los, deveria passar a vida chorando sua infelicidade. Suas zombarias demonstram o quão são dignos de lástima e de compaixão. São como uma pessoa que tem perdido o juízo, que corre pelos bosques, se arrasta pela terra ou se atira aos precipícios, gritando aos demais que façam o mesmo; grite o quanto quiser, deixai-o fazer, e compadecei-vos, porque não conhece a sua desgraça. Da mesma forma meus filhos, deixemos a esses pobres infelizes que gritem e zombem dos bons cristãos; deixemos a esses insensatos em sua demência; deixemos a esses cegos em suas trevas; escutemos os gritos e gemidos dos réprobos; mas nada temamos, sigamos nosso caminho; fazem mal a si mesmos e não a nós; tenhamos compaixão, e não nos separemos de nossa linha de conduta.
Sabeis por que zombam de vós? Porque vêem que tens medo e que pela menor coisa se envergonham. Não é de vossa piedade que eles zombam, mas sim de vossa inconstância, e de vossa frouxidão em seguir a vosso capitão. Tomai o exemplo dos mundanos; olhai com que audácia eles seguem aos seus. Não vês como se orgulham de serem libertinos, bebedores, astutos, vingativos? Olhai a um impuro; se envergonha acaso de vomitar suas obscenidades diante das pessoas? E por que isto, meus filhos? Porque os mundanos se vêem constrangidos a seguir seu amo, que é o mundo; não pensam nem se ocupam mais do que em agradar-lhe; por mais sofrimentos que lhes custem, nada é capaz de detê-los. Vede aqui, meus filhos, o que faríeis também vós se quisesse imitá-los. Não temerias ao mundo nem ao demônio; não buscarias nem quererias mais que o que possa agradar ao vosso Senhor, que é o próprio Deus. Há de se convir, que os mundanos, são muito mais constantes em todos os sacrifícios que fazem para agradar a seu amo, que é o mundo, que nós em fazer o que devemos para agradar a nosso Senhor, que é Deus.

II – Mas agora comecemos de outra maneira. Diga-me amigo, porque zombas dos que fazem profissão de piedade, ou, para que o entendas melhor, dos que gastam mais tempo que você na oração, dos que freqüenta mais constantemente do que você os Sacramentos, dos que fogem dos aplausos do mundo? Uma de três, meus filhos: ou é que considerais estas pessoas como hipócritas, ou que zombas da piedade em si, ou é, enfim, que lhe causa nojo ver que eles valem mais que vós.
Iº. Para chamá-los de hipócritas seria preciso que houvésseis lido em seu coração, e estivésseis plenamente convencidos de que toda a sua devoção é falsa. Pois bem, meus filhos, não parece natural, quando vemos uma pessoa fazer alguma boa obra, pensar que seu coração é bom e sincero? Sendo assim, vede quão ridículos resultam vossa linguagem e vossos juízos. Vês em vosso próximo um exterior bom, e dizeis ou pensais que seu exterior nada vale. Se lhe mostram um fruto bom; indubitavelmente pensais que a árvore de onde ele veio é de boa qualidade; e formais dele, um bom juízo. Por outro lado, tratando-se de julgar as pessoas de bem, dizeis o contrário: o fruto é bom, mas a árvore que o deu, não vale nada. Não, meus filhos, não, não sois tão cegos nem tão insensatos para disparatar desta maneira.
2º. Digo, em segundo lugar, que zombais da piedade em si, mas me engano; não zombais de tal pessoa porque suas orações são longas, freqüentes ou feitas com reverência. Não, não é isto, porque também vós orais (pelo menos, se não o fazeis faltais a um de vossos primeiros deveres). É acaso porque ela freqüenta os Sacramentos? Mas tampouco vós haveis passado o tempo de vossa vista sem aproximar-vos dos santos Sacramentos; se os tem visto no tribunal da penitência, se os tem visto aproximar-se à sagrada mesa. Não desprezais, pois, a tal pessoa porque cumpre melhor que vós seus deveres de religião, estando perfeitamente convencidos do perigo em que estamos de nos perdermos, e, por conseguinte, da necessidade que temos de recorrer constantemente à oração e aos Sacramentos para perseverar na graça do Senhor, e sabendo que depois deste mundo nenhum recurso resta: bem ou mal, forçoso será permanecer na sorte que, ao sair dele, nos espera por toda a eternidade.
3ª. Não, meus filhos, nada disto é o que nos enoja na pessoa de nosso próximo. É que, não tendo, a coragem de imitá-lo, não queremos sofrer a vergonha de nossa frouxidão; antes queremos arrastar-nos a seguir nossas desordens e nossa vida indiferente. Quantas vezes nos permitimos dizer: para que servem tanta dissimulação, estar tanto ( tempo) na igreja, madrugar tanto para ir à ela, e outras coisas do tipo? Ah! Meus filhos! È que a vida das pessoas seriamente piedosas é a condenação de nossa vida frouxa e indiferente. Bem fácil é compreender que sua humildade e o desprezo que elas têm de si mesmas condena nossas vidas orgulhosas, que nada sabe sofrer, que queria a estima e o louvor de todos. Não há dúvida de que sua doçura e sua bondade para com todos, condena* nossas impetuosidades e nossa cólera; é coisa certa que sua modéstia, sua circunspeção em toda a sua conduta condena nossa vida mundana e cheia de escândalos. Não é realmente só isso o que nos molesta na pessoa de nossos próximos? Não é isto o que nos enfada quando ouvimos falar bem dos demais e anunciar suas boas obras? Sim, não há dúvida de que sua devoção, seu respeito à Igreja nos condena, e contrasta com nossa salvação. Da mesma maneira que nos sentimos naturalmente inclinados a escusar, nos demais os defeitos que há em nós mesmos, somos propensos a desaprovar neles as virtudes que não temos a coragem de praticar. Assim estamos vivendo todos os dias. Um libertino se alegra de achar outro libertino que lhe aplauda em suas desordens; longe de desaconselhá-lo, lhe alenta a prosseguir nelas. Um vingativo se compraz na companhia de outro vingativo, para que se aconselhem mutuamente, a fim de achar o meio de vingar-se de seus inimigos. Mas ponha uma pessoa regrada em companhia de um libertino, uma pessoa sempre disposta a perdoar com outra vingativa; vereis como em seguida os malvados se desenfreiam contra os bons e se lhes caem em cima. E porque isto, meus filhos, senão porque, não tendo a virtude de obrar como eles, queriam poder arrastá-los para o seu lado, a fim de que a vida santa que estes levam não seja uma contínua censura às usas próprias vidas? Mas, se quereis compreender a cegueira, dos que zombam das pessoas que cumprem melhor do que eles seus deveres cristãos, escuta-me um momento.
Que pensarias de um pobre que tivesse inveja de um rico, se ele não fosse rico senão porque não quer sê-lo? Não lhe dirias: amigo, por que hás de dizer mal desta pessoa por causa de sua riqueza? De ti somente depende ser tão rico como ela, e ainda mais se quiseres, pois, de igual maneira, meus filhos, por que nos permitimos vituperar aos que levam uma vida mais regrada do que a nossa? Somente de nós depende ser como eles e ainda melhores. O (fato de) que os outros praticam a religião com mais fidelidade que nós, não nos impede de sermos tão honestos e perfeitos como eles, e mais, todavia, se quisermos sê-lo.
Digo, em terceiro lugar, que as pessoas sem religião que desprezam a quem faz profissão dela...; mas me engano: não é que os desprezem, apenas aparentam, pois em seus corações os têm em grande estima. Quereis uma prova disso? A quem recorrerá uma pessoa, ainda que não tenha piedade, para achar algum consolo em suas penas, algum alívio em sua tristeza e dores? Crê que irá buscá-lo em outra pessoa como ela? Não, meus amigos, não. Conhece muito bem que uma pessoa sem religião não pode consolar-lhe e dar-lhe bons conselhos. Irá aos mesmos de quem antes zombava. Fartamente convencido está de que somente uma pessoa prudente, honesta e temerosa de Deus pode consolá-lo e dar-lhe algum alívio em suas penas. Quantas vezes, de fato, filhos meus, achando-nos agoniados pela tristeza ou por qualquer outra miséria, temos acudido a alguma pessoa prudente, e boa e, ao cabo de um quarto de hora de conversação, nos temos sentido totalmente mudados e nos retiramos dizendo: Que ditosos são os que amam a Deus e também os que vivem ao seu lado. Eis que eu me entristecia, não fazia mais que chorar, me desesperava; e, com uns momentos na companhia desta pessoa, me tenho sentido totalmente consolado. Bem certo é quanto ela me tem dito: que o Senhor não tem permitido isto senão para o meu bem, e que todos os santos e santas haviam passado penas maiores, e que mais vale sofrer neste mundo que no outro. E assim acabamos por dizer: quando se me apresentar outra pena, não demorarei em acudir-me a ele de novo me busca de consolação. Oh, santa e formosa religião! Quão felizes são os que te praticam sem reservas, e quão grandes e preciosos são os conselhos e doçuras que nos proporcionas...!
Já vês, pois, meus filhos, que zombais de quem não merecem. Que deveis pelo contrário, estar infinitamente agradecidos a Deus por ter entre vós algumas almas boas que sabem aplacar a cólera do Senhor, sem o qual pronto seríamos esmagados por sua justiça. Se o pensais bem, uma pessoa que faz bem suas orações, que não busca senão agradar a Deus, que se compraz em servir ao próximo, que sabe desprender-se até mesmo do necessário para ajudar-lhe, que perdoa de bom grado aos que lhes fazem alguma injúria, não podes dizer, que se porte mal, antes ao contrário. Tal pessoa não é senão mui digna de ser louvada e estimada por todo mundo. Sem dúvida, a esta pessoa é a quem criticais; mas, não é verdade que ao fazê-lo, não pensais no que dizes? Ah! É certo, os diz vossa consciência; ela é mais feliz que nós. Ouve amigo meu, escuta-me, e eu te direi o que deves fazer: bem longe de vituperar desta classe de pessoas e zombar-te delas, hás de fazer todos os esforços possíveis por imitar-las, unir-te todas as manhãs às suas orações e a todos os atos de piedade que elas façam durante o dia. Mas direis para fazer o que elas fazem é necessário violentar-se e sacrificar-se demasiadamente. Custa muito trabalho! ... Não tanto como quereis vós supor, Meus filhos. Tanto custa fazer bem as orações da manhã e da noite? Tão difícil é escutar a palavra de Deus com respeito, pedindo ao Senhor a graça de aproveitá-la? Tanto se necessita para não se sair da Igreja durante as instruções? Para abster-se de trabalhar aos domingos? Para não comer carne nos dias proibidos e desprezar aos mundanos empenhados em perder-se?
Se é que temeis que os chegue a faltar à coragem dirigi vossos olhos à Cruz donde morreu Jesus Cristo e vereis como não os faltará alento. Olhai as multidões de mártires, que sofreram dores que vós não podeis compreender, por temor de perderem suas almas. Os parece que se arrependem agora de haverem desprezados o mundo e o que dirão?
Concluamos meus filhos, dizendo: Quão poucas são as pessoas que verdadeiramente servem a Deus! Uns ocupam-se de destruir a religião, se fosse possível, com a força de suas armas, como os reis e imperadores pagãos; outros com seus escritos ímpios quiseram desonrá-la e destruí-la se pudessem; outros zombam dela nos que a praticam; outros, enfim, sentem desejo de praticá-la, mas têm medo de fazê-lo diante do mundo. Ai! Meus filhos! Quão pequeno é o número dos que andam pelo caminho do céu, pois só contam nele os que, continua e valorosamente combatem ao demônio e suas sugestões, e desprezam ao mundo com todos os seus enganos! Posto que, esperamos nossa recompensa e nossa felicidade somente de Deus, por que, meus filhos, amar ao mundo, havendo prometido com juramento aborrecê-lo e despreza-lo para não seguir a não ser Jesus Cristo, levando nossa cruz todos os dias de nossa vida? Feliz, filhos meus, aquele que não busca senão a Deus e despreza todo o resto. Esta é a felicidade...
Fonte 

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Sermão de São João Maria Vianney, o Santo Cura D’ars

Uma parte, e talvez a maior parte das pessoas, está totalmente envolvida com as coisas deste mundo. E, neste largo número, existem aqueles que se julgam felizes por terem suprimido todo e qualquer sentimento de religiosidade, todo e qualquer pensamento sobre a vida eterna, aqueles que fizeram de tudo que estava em seu poder para apagar da memória a terrível recordação do Julgamento, no qual, um dia, todos nós teremos que nos apresentar e prestar contas. Durante o curso de suas vidas, eles usam de tudo quanto é artimanha, e freqüentemente até suas posses, para atraírem para o seu modo de vida tantos quanto puderem. Eles já não acreditam em mais nada. Aliás, eles até sentem um certo orgulho em se exibirem mais ímpios e incrédulos do que realmente são, para poderem convencer os outros a acreditarem, não em verdades, mas sim em falsidades, que vão fincando raízes nos corações daqueles que são influenciados por eles.


Durante um jantar que Voltaire deu num certo dia para seus amigos, – um bando de ímpios– ele rejubilou-se porque entre todos os presentes não havia um sequer que acreditava em religião. Embora, no fundo, ele próprio ainda acreditava. Tanto é verdade, que ele demonstrou isso claramente na hora de sua morte. Naquele momento crucial, ele ordenou com grande pressa que um sacerdote fosse levado à sua presença para reconciliar-lhe com Deus. Mas foi tarde demais!


Deus, contra Quem ele havia lutado e falado mal com tanta fúria, durante toda a sua vida, agiu com ele do mesmo modo como agiu com Antíoco. Deus simplesmente o abandonou à fúria dos demônios. Naquele momento de pavor, Voltaire tinha apenas o desespero e o pensamento da condenação eterna que lhe estava destinada. O Espírito Santo nos diz: “O tolo diz em seu coração: não existe Deus”. Mas é apenas a corrupção de seu coração que o leva a cometer tais excessos. No fundo, no fundo, ele não acredita nisso. Ou seja, aquelas palavras: “Deus existe”, nunca desaparecerão inteiramente de seu coração. O pior dos pecadores sempre proferirá o nome de Deus, mesmo sem pensar no que está dizendo! Mas deixemos esses blasfemos de lado. Felizmente, apesar de vocês não serem tão bons cristãos como deveriam ser, graças a Deus, vocês não estão entre esse tipo de gente.


Mas então, vocês me perguntarão, afinal quem são essas pessoas que estão parcialmente do lado de Deus e parcialmente do lado do mundo? Bem, meus caros filhos, permita-me descrevê-los. Eu vou compará-los, se me permitirem usar o termo, com cachorros que correm atrás do primeiro que os chamar ou lhes acenar. Vocês podem segui-los do amanhecer até o fim do dia, do início do ano até o final. Estas pessoas vêem o Domingo, simplesmente, como um dia de descanso ou de lazer. Nesse dia, eles ficam mais tempo na cama do que nos dias-de-semana, e ao invés de se entregarem a Deus de todo o seu coração, eles nem sequer pensam no Altíssimo. Alguns deles estarão o tempo todo pensando em como será o seu “dia de lazer”, outros estarão pensando nas pessoas que eles irão encontrar e ainda outros, nas vendas que eles irão fazer, ou no dinheiro que eles esperam gastar ou receber. É com grande dificuldade que essas pessoas fazem o Sinal da Cruz, e quando o fazem, fazem de um modo desleixado. Por outro lado, já que elas irão à Missa mais tarde, elas simplesmente negligenciam as orações que todos os dias deveriam fazer, dizendo como desculpa: – Oh! Eu terei tempo de sobra para fazê-las antes da Missa! Essas pessoas sempre têm algo mais importante a fazer antes de se prepararem para ir à Missa e apesar de terem planejado orar um pouco antes de saírem para a Igreja, dificilmente conseguem chegar a tempo para o início da Missa. Se encontram um amigo ao longo do caminho, não tem o menor escrúpulo em voltar para casa com o tal amigo e deixarem a Missa para outra ocasião.


Mas porque ainda querem se parecer “bons cristãos”, tais pessoas acabarão por irem à Missa talvez algum tempo mais tarde, embora sempre o fazendo com relutância e achando um infinito aborrecimento. Durante a Missa, o único pensamento que lhes ocorre é aquele: “Ó meu Deus, será que essa Missa não acaba nunca?!” Você pode também observá-los dentro da Igreja, especialmente durante a homilia, olhando sempre de um lado para outro, perguntando à pessoa do lado pelas horas e assim por diante. Uma boa parte delas fica folheando o Missal, como se estivessem procurando por algum erro de impressão. Há outras que podemos ver dormindo e até mesmo roncando como se estivessem confortavelmente deitadas numa cama. Quando acordam assustadas, o primeiro pensamento que lhes vem em mente não é aquele de terem profanado um local santo, mas sim este:

– Oh meu Deus! Esse padre ainda está falando? Será que esse sermão não termina mais? Desse jeito eu não volto mais!

E finalmente existe também aqueles para quem a Palavra de Deus (que tem convertido tantos pecadores) é verdadeiramente nauseante. Eles não têm vergonha de dizer que são obrigados a sair pelo menos por alguns minutos da Igreja, ‘‘para poderem respirar um pouco’’, caso contrário eles morreriam! Você sempre os verá desinteressados e tristes durante as Missas. Mas espere pra ver quando a celebração terminar! Freqüentemente, mesmo antes do sacerdote deixar o altar, eles já estarão com um pé pra fora da porta de entrada. Serão sempre os primeiros a abandonar a assembléia e qualquer um perceberá que toda aquela alegria que haviam perdido durante a Missa subitamente voltou!

Geralmente essas pessoas estão sempre tão cansadas, que nunca terão forças para retornarem para qualquer outra atividade durante a noite: Vigílias, Adoração Solene do Santíssimo Sacramento… etc. E se você lhes perguntar por que elas não compareceram, elas simplesmente responderão:

– “Ah! Você também não quer que eu passe o dia inteiro na Igreja, não é? Afinal, tenho outras coisas para fazer!”

Para tais pessoas, não existe nada que se aproveite nas homilias, nem no Rosário ou nas Orações Noturnas. Elas vêem essas coisas como simples conseqüências. Se você lhes perguntar o que foi dito durante a homilia, elas sempre responderão: – Ah! O Padre não fez outra coisa a não ser gritar muito durante o sermão… foi enjoativo demais… eu não consigo me lembrar de absolutamente nada…. Ah! se ele não tivesse sido tão demorado, eu ainda poderia me lembrar de alguma coisa… tá vendo porque todo o mundo não gosta de ir à Missa? É porque ela é comprida demais!

Pelo menos uma coisa esta pessoa disse certo: “todo o mundo”, porque tais pessoas pertencem à classe dos “mundanos”, embora eles próprios não saibam disso. Mas agora vou tentar fazê-los compreender as coisas um pouquinho melhor, pelo menos se eles quiserem… Mas, sendo eles surdos e cegos como são, é muito difícil fazê-los entender as Palavras de Vida Eterna ou o seu estado tão infeliz. Só pra começar, eles nunca fazem o Sinal da Cruz antes de uma refeição e nem tampouco fazem Ação de Graças depois das mesmas, e muito menos recitam o Ângelus. Se por acaso ainda observarem esses preceitos, devido à força do hábito ou apenas por costume, eles o farão de um modo tão superficial que qualquer um ficaria decepcionado ao vê-los: as mulheres o farão, ao mesmo tempo em que gritam com os demais membros da casa ou chamam as crianças para a mesa, os homens o farão distraidamente enquanto rodam o chapéu de uma mão para outra como se estivessem procurando por algum buraco. O modo como eles pensam em Deus, e o modo como se comportam, nos leva facilmente a pensar que eles não têm nenhuma fé e que tudo que fazem, o fazem apenas por brincadeira. Tais pessoas não têm o menor escrúpulo em comprar ou vender nos dias santos e domingos, muito embora saibam que quando não se tem um motivo razoável para isso, é sempre um pecado mortal. Tais pessoas vêem todos esses fatos como bobagens. Alguns chegam a freqüentar a Igreja nos dias santos apenas para recrutarem trabalhadores e se você disser que o que estão fazendo é errado, elas simplesmente responderão:


– Nós temos que ir é onde as pessoas se reúnem e quando elas podem ser encontradas! Elas também não se importam nem um pouco em pagar suas contas aos domingos, afinal durante a semana precisarão de todo o tempo disponível para adiantar seus trabalhos.


Você então me dirá: – Nenhum de nós se preocupa muito com essas coisas!


E eu lhes digo, vocês não se preocupam, meu caro povo, porque vocês também são todos mundanos. Vocês querem servir a Deus e ao mesmo tempo satisfazerem aos padrões deste mundo. Vocês percebem, meus filhos, quem são esse tipo de gente? São pessoas que ainda não perderam completamente a Fé e que de alguma maneira ainda permanecem ligados ao serviço de Deus, são pessoas que ainda não abandonaram de vez todas as práticas religiosas e que chegam inclusive a achar falta naqueles que não freqüentam a Igreja de jeito nenhum, mas elas próprias não têm coragem de romper com o mundo para passarem exclusivamente para o lado de Deus.


Tais pessoas não desejam ir para a condenação eterna, mas também não querem se meter em situações muito inconvenientes. Elas acham que serão salvas sem ter que fazer muita violência contra si próprias. Elas têm uma idéia de que Deus sendo tão bom, não criou ninguém para a perdição e que no final, apesar de tudo, Ele perdoará a tudo e a todos; que no tempo propício todos se voltarão para Deus, que corrigirão suas faltas e abandonarão seus maus hábitos. No caso de, em algum momento de reflexão, chegarem a dar uma repassada em suas vidas mesquinhas, talvez eles até se lamentem por seus pecados e algumas vezes pode até ser que chorem por causa deles…


Meu filho, quão trágico é a vida daqueles que querem seguir os caminhos do mundo sem, no entanto, deixarem de ser filhos de Deus! Vamos um pouquinho mais adiante e vocês serão capazes de compreender mais claramente e ver com os seus próprios olhos o quão estúpido esse estilo de vida pode ser. Num determinado momento você chegará a ouvir tais pessoas rezando ou fazendo um ato de contrição. Pouco depois se alguma coisa acontece, do modo contrário ao que eles esperavam, você poderá ouvi-los fazendo imprecações e até mesmo usando o Santo Nome de Deus em vão. Pela manhã você talvez os encontre na Missa cantando ou louvando a Deus. E no mesmíssimo dia você poderá ouvi-los espalhando aos quatro ventos as conversas mais escandalosas.


Ao entrar na Igreja, eles molham as suas mãos na água benta pedindo a Deus que os purifique dos seus pecados. Um pouquinho mais adiante estará usando essas mesmas mãos em atos impuros contra eles próprios ou contra o seu próximo. Os mesmos olhos que pela manhã derramavam lágrimas de emoção ao contemplar Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento, durante o resto do dia se concentrarão em observar as cenas mais imodestas. Ontem você viu um determinado homem fazendo um ato de caridade ou prestando um serviço ao seu próximo, hoje esse mesmo homem dá o melhor de si para trair seu vizinho, buscando seu próprio lucro. Há poucos momentos atrás, aquela mãe desejava todo o tipo de bênçãos para seus filhos, e agora, só porque eles a aborrecem com suas travessuras, ela roga uma verdadeira chuva de pragas sobre eles: diz que desejaria nunca mais vê-los em sua presença e acaba até os mandando para o Diabo! Num dado momento, ela os envia para a Missa ou para a Confissão, já em outro momento, ela os envia para os bailes, ou pelo menos faz de contas que não sabe que eles se encontram lá, ou até mesmo se chegar a proibir, sempre o fará com um sorriso nos lábios, deixando perceber que mais aprova do que condena. Numa determinada ocasião, essa mesma mãe dirá à sua filha para ser recatada e não se misturar com as más companhias e, dali a pouco, estará permitindo que sua filha passe horas a sós com um rapaz sem dizer uma só palavra. Não preciso dizer mais nada, minha pobre mãe! Vê-se claramente que você está do lado do mundo! Você até acha que está servindo a Deus por causa das práticas exteriores de religiosidade que você pratica. Mas você está enganada; você pertence àquela classe de gente da qual o próprio Jesus Cristo disse: “Ai do mundo!…”.


Observe bem essas pessoas que pensam estar servindo a Deus, mas que estão vivendo verdadeiramente segundo as máximas do mundo. Elas não têm o menor escrúpulo em tomar as coisas do seu vizinho, quer seja alguns pedaços de lenha ou frutas, ou mesmo milhares de outras coisas. Sempre que forem lisonjeadas ou elogiadas pelo que fazem em termos de religião, sentirão um grande orgulho por suas ações. Tais pessoas são sempre muito entusiasmadas em dar bons conselhos aos outros. Mas deixe que elas sejam submetidas a algum contratempo ou calúnia e vocês verão como elas se comportam por terem sido tratadas de tal modo! Ontem estavam dispostas a fazer todo o bem desse mundo àquele que as ofendeu, hoje mal conseguem tolerar tal pessoa e freqüentemente não conseguem sequer vê-la ou falar com ela.


Pobres mundanos! Quão infelizes vocês são! Sigam em frente com esse modo de vida e vocês não terão nada a ganhar a não ser o Inferno! Alguns de vocês até gostariam de freqüentar o Sacramento da Confissão, pelo menos uma vez no ano, mas para isso, primeiramente teriam que encontrar um confessor daqueles bem condescendentes. Imagine… até gostariam… se isso fosse todo o problema! Suponhamos que encontrem um confessor que perceba que suas disposições não são boas, ou seja, falta-lhes o arrependimento e a contrição, e que portanto se recuse a dar-lhes a absolvição! Imediatamente se põem a falar mal do confessor, procurando se justificarem a si próprias pelo fato de terem tentado e falhado em obter o Sacramento. Com certeza elas falarão muito mal daquele confessor, apesar de terem pleno conhecimento de seu estado pecaminoso e de saberem muito bem porque o confessor recusou a dar-lhes a absolvição. De todo modo, eles sabem bem que o confessor não pode fazer nada para conceder aquilo que eles querem, ainda assim elas não se dão por satisfeitas em sair espalhando suas mentiras!


Continuem assim, filhos deste mundo! Continuem nessa rotina; vocês vão ver um dia aquilo que jamais desejariam ver! Eu sei que vocês gostariam de repartir seus corações em dois! Mas não tem jeito, meus amigos: ou é tudo pra Deus ou é tudo para o mundo. Vocês querem receber com freqüência os Sacramentos? Muito bem, pois então, abram mão das danças, dos cabarés e das diversões pecaminosas! Hoje vocês possuem a graça em grau suficiente para virem até aqui, apresentarem-se voluntariamente no Tribunal da Penitência, ajoelhar-se diante da Mesa Sagrada e partilhar do Pão dos Anjos. Daqui a três ou quatro semanas, talvez até menos, vocês já serão vistos passando as noites ao lado dos bêbados, e o que é pior, se entregando aos mais horríveis atos de impureza! Pois continuem assim, filhos deste mundo! Logo, logo vocês estarão no Inferno! Lá eles ensinarão a vocês tudo que deveriam ter feito para conseguir o Céu, que vocês acabaram perdendo inteiramente por sua própria culpa!


Ai de vocês, filhos deste mundo! Continuem assim; sigam o mestre que vocês têm seguido até agora! Muito cedo vocês perceberão o quão errado vocês foram ao seguir esses caminhos. Mas será que isso os fará mais sábios? Infelizmente não. Se alguém nos trai uma vez, nós logo dizemos: – Nunca mais voltarei a confiar nele novamente! E com razão! Mas o mundo nos trai continuamente e mesmo assim continuamos a amá-lo. São João nos adverte em sua Primeira Epístola: “Não ameis o mundo nem as coisas do mundo. Se alguém ama o mundo não está nele o amor do Pai”. Ah! Meus caros filhos, se nós tivéssemos a menor idéia do que é o mundo, passaríamos nossas vidas em dar-lhe adeus. Quando uma pessoa atinge a idade de quinze anos, ela dá adeus aos tempos de sua infância, ela olha para trás e vê como efêmeras e bobas eram as brincadeiras de crianças, como construir castelinhos de areia. Aos trinta, a pessoa começa a deixar de lado os prazeres consumistas da juventude leviana. Aquilo que dava tanto prazer nos dias de juventude, começa a tornar-se aborrecido. Se formos pensar bem, meus amigos, todos os dias estamos dando adeus a este mundo. Somos como viajantes que desfrutam da beleza da paisagem apenas enquanto estão viajando. Mais cedo do que esperamos, veremos o tempo que deixamos para trás. E é exatamente a mesma coisa com os prazeres e bens dos quais nos tornamos tão apegados. Chegará o dia em que a Eternidade jogará todas essas coisas num profundo abismo. E então, meus caros irmãos, o mundo desaparecerá para sempre dos nossos olhos e reconheceremos a nossa loucura em termos sido tão apegados a ele. E a respeito de tudo o que nos foi dito sobre o pecado? Só então veremos que era tudo verdade! Coitado daquele que tiver vivido somente para o mundo! Aquele que não buscou outra coisa senão o mundo em tudo aquilo que fez… De repente todos os prazeres e alegrias do mundo já não mais existem! Tudo estará escapulindo de suas mãos: o mundo, suas alegrias, todos os prazeres que ocupavam seu coração e o que é pior: também sua alma!

Sermão de São João Maria Vianney sobre o purgatório, retirado do livro “O Espírito do Cura DÁrs”.



Sobre o Purgatório
Por que será que eu me encontro de pé hoje nesse púlpito, meus caros irmãos? O que será que eu venho dizer para vocês? Ah! Eu venho em nome do próprio Deus. Eu venho em nome de seus pobres pais, para despertar em vocês aquele amor e gratidão que vocês lhes devem . Eu venho pra refrescar nas suas memórias novamente, toda a ternura e todo o amor que eles deram a vocês enquanto eles ainda estavam sobre essa terra.
Eu venho pra dizer a vocês que eles sofrem no Purgatório, que eles choram e reclamam com urgentes gritos o auxílio de suas orações e boas-obras. Eu os tenho visto gritando das profundezas daquelas chamas que os devoram: -”Digam aos nossos amigos, aos nossos filhos, aos nossos parentes, como é grande o mal que eles estão nos fazendo sofrer. Nós nos atiramos aos seus pés para implorar o auxílio de suas orações! Ah! Diga -lhes que desde que nós fomos separados deles, nós temos estado queimando em chamas!
Oh! Quem poderia permanecer tão indiferente diante dos sofrimentos que estamos enfrentando!” Você vê, meu caro irmão, você escuta aquela terna mãe, aquele pai devotado e todos aqueles parentes que lhe ajudaram e fizeram parte de sua vida? Meus amigos, eles gritam: -”Livrai-nos dessa dor, você pode!” Considerem então meus caros amigos: 1°- A magnitude desses sofrimentos pelos quais passam as almas do purgatório e 2°- os meios dos quais dispomos para mitigar esses sofrimentos: nossas boas obras, nossas orações e acima de tudo, o santo sacrifício da Missa.
Eu não quero parar neste estágio para provar a existência do Purgatório, pois isso seria uma perda de tempo. Espero que nenhum de vocês tenha a menor dúvida a este respeito. A Igreja, à qual Jesus Cristo prometeu a guia do Espírito Santo e a qual, conseqüentemente, não pode se enganar nem nos enganar, ensina-nos sobre o Purgatório de um modo bem claro e positivo. Isto é uma certeza mais que certa, de que lá é um lugar onde as almas dos justos completam a expiação por seus pecados, antes de serem finalmente admitidas na glória do Paraíso, o qual, diga-se de passagem, já está assegurado a elas.
Sim meus caros irmãos, isto é um artigo de Fé: se nós não tivermos feito penitência proporcional à gravidade de nossos pecados, ainda que tenhamos sido absolvidos no Sagrado Tribunal da Confissão, nós seremos obrigados a expiar por eles. Nas Sagradas Escrituras há muitos textos que mostram claramente, que embora nossos pecados possam ser perdoados, Deus ainda impõe-nos a obrigação de sofrer neste mundo duros trabalhos temporais ou no próximo através das chamas do Purgatório.
Veja o que aconteceu com Adão. Porque ele se arrependeu logo depois de ter cometido o pecado original, Deus garantiu a ele que o havia perdoado,mas ainda assim Ele o condenou a passar nove séculos sobre esta terra fazendo penitência. Penitências que ultrapassam qualquer coisa que possamos imaginar:…”maldita seja a terra por tua causa. Tirarás dela com trabalhos penosos o teu sustento todos os dias de sua vida. Ela te produzirá espinhos e tu comerás a erva da terra. Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de que fostes tirado; porque és pó, e em pó te hás de tornar…”(Gênesis 3.17). Veja novamente: Davi ordenou, contrariando a vontade de Deus, que se fizesse o recenseamento de Israel. Atingido pelo remorso de consciência, ele reconheceu o seu pecado, atirou-se ao chão suplicando ao Senhor que o perdoasse.
Conseqüentemente, Deus tocado pelo seu arrependimento, o perdoou. Mas apesar disso,ele enviou Gad para dizer a Davi que ele teria que escolher entre 3 tipos de punições que Ele havia preparado para Davi reparar pelo seu pecado: a peste,a fome ou a guerra. Davi então respondeu: “Ah! Caia eu nas mãos do Senhor, porque imensa é a sua misericórdia; mas que eu não caia nas mãos do homem…”(ICrônicas 21). Ele escolheu a peste e esta durou apenas 3 dias, mas matou 7 mil pessoas de seu povo.
Se o Senhor não tivesse detido a mão do Anjo que estava estendida sobre Israel, Jerusalém inteira teria ficado despovoada! Davi ao ver todo o mal causado pelo seu pecado, implorou a graça de Deus pedindo que Deus punisse apenas ele mesmo, mas que poupasse o seu povo que era inocente. Vejam também as penitências de Santa Maria Madalena! Quem sabe não sirvam para amolecer um pouco seus corações?
Meus caros irmãos, o que serão então, o número de anos que nós teremos que sofrer no Purgatório, nós que cometemos tantos pecados e que sob o pretexto de já o termos confessado, não fazemos penitências e nem choramos por eles? Quantos anos de sofrimento nos esperam na próxima vida?
Como poderia eu pintar um quadro dos sofrimentos que essas pobres almas suportam, quando os santos padres da Igreja dizem-nos que os tormentos que elas sofrem são comparáveis ao que passou Nosso Senhor Jesus Cristo durante sua dolorosa paixão? Uma coisa é certa, se o menor sofrimento que Nosso Senhor suportou tivesse sido compartilhado por toda a humanidade, todos estariam mortos devido à violência de seus sofrimentos. O fogo do Purgatório é o mesmo que o fogo do Inferno. A diferença entre eles é que o fogo do Purgatório não é eterno.
Oh! Se Deus permitisse que uma daquelas pobres almas que está mergulhada nas chamas, aparecesse agora neste lugar, toda envolvida pelas chamas que a consome e desse ela mesma um recital dos sofrimentos que ela está suportando! Toda essa Igreja, meus caros irmãos, seria sacudida pelo eco de seus gritos e soluços e talvez quem sabe isso amoleceria os seus corações? Esta pobre alma nos diria: – “Como nós sofremos! Ó irmãos, livrai-nos desses tormentos! Ah, se vocês pudessem experimentar o que é viver separado de Deus!… Cruel separação! Queimar no fogo aceso pela justiça de Deus!.. Sofrer dores incompreensíveis para a mente humana!… Ser devorado pelo remorso, sabendo que poderíamos facilmente ter evitado esses tormentos!…
Oh! Meus filhos!- gritam os pais e as mães- como podem vocês nos abandonar nessas horas, nós que tanto os amamos quando estávamos sobre essa terra! Como vocês podem ir dormir tranqüilamente em suas camas, enquanto nós queimamos em uma cama de fogo? Como vocês tem coragem de se entregar aos prazeres e alegrias, enquanto nós sofremos e choramos dia e noite? Vocês herdaram nossos bens, nossas propriedades, vocês se divertem com o fruto de nossos trabalhos, enquanto nós sofremos males tão indescritíveis e por tantos anos!.. E não são capazes de oferecer uma pequena oração em nossa intenção, nem uma simples Missa que tanto ajudaria para nos livrar dessas chamas!… Vocês podem aliviar nosso sofrimento, vocês podem abrir nossas prisões e vocês simplesmente nos abandonam. Oh! Quão cruel são estes sofrimentos!…”
Sim meus irmãos, as pessoas julgam de um modo muito diferente, o que é estar nas chamas do Purgatório por todas essas culpas leves. Se é que é possível chamar de “leve” algo que nos faz suportar punição tão rigorosa! Que espanto seria para o homem, grita o profeta real, se mesmo o mais justo dos homens fosse julgado por Deus sem nenhuma misericórdia! Se Deus achou manchas até no sol e malícia nos anjos, o que será então do homem pecador? E para nós que cometemos tantos pecados mortais e praticamente não fazemos nada para satisfazer a justiça de Deus. Quantos anos de Purgatório!
Meu Deus!-disse Santa Tereza de Ávila- “que alma seria suficientemente pura para entrar diretamente no Céu sem ter que passar pelas chamas da justiça?” Em sua última doença, ela de repente gritou: “Oh Justiça e Poder do meu Deus, quão terrível sois!” Durante sua agonia, Deus permitiu que ela contemplasse por alguns segundos a Sua Santidade, assim como os anjos e os santos do Céu O contemplam.
E isso causou nela um pavor tão grande, que ela se pôs a tremer e ficou agitada de um modo tão extraordinário que as irmãs perguntaram-lhe chorando: -”Ah! Madre, o que está se passando? Certamente que a senhora não teme a morte depois de tantos anos de penitência e lágrimas amargas!” – Não, minhas filhas, eu não temo a morte, muito pelo contrário, eu a desejo porque só assim estarei unida eternamente a Deus. – Oh! Madre, seriam os teus pecados então, que ainda te aterrorizam depois de tantas mortificações? – Sim minhas filhas- respondeu Tereza- eu temo pelos meus pecados, mas temo por algo ainda maior! – Seria então, o julgamento? – Sim, eu temo pela formidável conta que terei que prestar diante de Deus.
Principlamente porque nesse momento seremos julgados pela justiça e não pela misericórdia. Mas tem algo que ainda me faz morrer de terror. As pobres irmãs já estavam profundamente angustiadas. – Madre, seria por acaso o Inferno? -Não -respondeu ela – O inferno, Graças a Deus não é pra mim. Oh! Minhas filhas, é a Santidade de Deus. Meus Deus, tende misericórdia de mim! Minha vida será confrontada face a face com o próprio Cristo! Ai de mim se eu tiver a menor mancha ou falha! Ai de mim, se eu tiver a menor sombra de pecado! – Ai de nós! – gritaram as pobres irmãs – O que será então no dia das nossas mortes?
O que será então de nós, meus caros irmãos? Nós que talvez em todas as nossas penitências e boas obras, talvez nunca tenhamos conseguido satisfazer por um único pecado perdoado no tribunal da Confissão? Ah! Quantos anos e séculos de tormento para nos punir?… Vamos pagar muito caro por todas essas “pequenas falhas” que nós vemos como algo que não tem a menor importância, como aquelas “pequenas mentirinhas” que nós falamos para evitar problemas para nós mesmos, aqueles pequenos escândalos, o desprezo pelas graças que Deus nos concede a cada momento, aquelas pequenas murmurações nas dificuldades que Ele nos envia! Não, meus caros irmãos, nós não teríamos nunca a coragem de cometer o menor pecado, se pudéssemos entender o quanto isto ultraja a Deus e o quão merecemos ser rigorosamente punidos, já ainda nesse mundo.
Meus irmãos, Deus é justo em tudo que Ele faz. Quando Ele recompensa-nos até pela menor boa ação que fazemos, Ele nos dá muito mais do que qualquer um de nós merecemos. Um bom pensamento, uma boa ação, um bom desejo, ou seja, o desejo de fazer uma boa obra, mesmo quando não somos capazes de fazê-la, Ele nunca nos deixa sem uma recompensa. Mas também, quando se trata de uma matéria de punição, isto é feito com o maior rigor e ainda que tenhamos a menor falta seremos enviados para o Purgatório. Isto é verdade absoluta e nós comprovamos isto pela vida dos santos. Muitos deles não chegaram ao Céu, sem antes terem passado pelas chamas do Purgatório.
São Pedro Damião conta-nos que sua irmã permaneceu vários anos no Purgatório porque ela ouviu com prazer certos tipos de músicas. Conta-se também que dois religiosos fizeram um pacto um com o outro, acertando que quem morresse primeiro viria contar ao sobrevivente em que estado ele se encontrava. Deus permitiu que isso acontecesse e quando um deles morreu, apareceu ao seu amigo. Ele contou ao seu amigo que tinha permanecido 15 anos no Purgatório por seu orgulho de sempre querer fazer as coisas a seu modo. Então seu amigo o cumprimentou por ter permanecido lá por tão pouco tempo!
O morto então respondeu: – Eu teria preferido ser queimado vivo por 10 mil anos ininterruptos nessa terra, pois esse sofrimento nem poderia ser comparado com o que eu sofri 15 anos naquelas chamas! Um sacerdote contou a um de seus amigos que Deus o havia condenado a permanecer no Purgatório por vários meses, por ter segurado a execução de uma boa-obra que era Vontade de Deus que fosse feita.
Coitados de nós, meus irmãos! Quantos de nós não temos faltas semelhantes? Quantos de nós recebemos a tarefa de nossos parentes e amigos de mandarmos celebrar Missas e dar esmolas e simplesmente fazemo-nos de esquecidos! Quantos de nós evitamos fazer boas-obras apenas por respeito humano? E todas essas almas presas nas chamas, porque não temos coragem de satisfazer seus desejos! Pobres pais e pobres mães, vocês agora estão sendo sacrificados pela felicidade de seus filhos e parentes! Vocês talvez tenham negligenciado sua própria salvação para construírem suas fortunas. E agora vocês estão sendo traídos pelas boas-obras que vocês deixaram de fazer enquanto ainda estavam vivos! Pobres pais! Quanta cegueira é esquecer de nossa própria salvação!
Você talvez me dirá: -Nossos pais eram pessoas boas e honestas. Eles não fizeram nada de tão grave para merecerem essas chamas! Ah! Se vocês soubesses que eles precisavam de muito menos do que eles fizeram para cair nessas chamas! Vejam o que disse a esse respeito, Alberto, o Grande, um homem cujas virtudes brilharam de modo extraordinário! Ele revelou a um de seus amigos, que Deus o havia levado ao Purgatório por ter se orgulhado de um pensamento sobre seu próprio conhecimento. A coisa mais surpreendente foi que ali haviam verdadeiros santos, muitos que inclusive já tinham sido canonizados pela Igreja e que estavam passando pelas chamas do Purgatório.
São Severino, Arcebispo de Colônia, apareceu a um de seus amigos muito tempo depois de sua morte e disse-lhe que ele havia passado um longo tempo no Purgatório por ter adiado pra de noite, as orações do breviário que ele devia ter recitado pela manhã.
Oh! Quantos anos de Purgatório não passarão aqueles cristãos que não tem o menor escrúpulo em adiar suas orações para uma outra hora, apenas pela desculpa de terem algo mais importante a fazer! Se nós realmente desejássemos a felicidade de possuir a visão beatífica de Deus, nós evitaríamos tanto os pecados mortais como os veniais, uma vez que a separação de Deus constitui-se um tormento tão terrível para essas almas! (FIM)
Do Catecismo da Igreja:

Fonte

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Santo Cura D'Ars, Sobre as Tentações

 
NÃO SOMOS NADA POR NÓS MESMOS
Sobre as Tentações

As tentações são necessárias para que possamos perceber que não somos nada por nós mesmos. Santo Agostinho diz-nos que deveríamos agradecer a Deus tanto pelos pecados dos quais Ele nos preservou como pelos pecados que Ele por caridade nos perdoou. Caso venhamos a cair nas ciladas do demônio, nós pensamos que somos capazes de nos levantarmos novamente, confiando muito mais nas nossas promessas e resoluções do que na força de Deus. Isto é uma grande verdade!
        Quando nós não temos nada do que nos envergonhar, quando todas as coisas estão correndo bem e de acordo com os nossos desejos, nós ousamos pensar que nada poderia nos derrubar. Nós esquecemos facilmente do nosso próprio nada e de nossa fraqueza interior. Chegamos mesmo a protestar, que estamos prontos a morrer do que permitirmos sermos vencidos. Nós vemos o esplêndido exemplo de São Pedro, que disse ao Senhor que ainda que todos se escandalizassem Dele, ele não se escandalizaria. Coitado! Para mostrar-lhe, como o homem entregue às suas próprias forças, não é absolutamente nada, Deus fez uso, não de reis, príncipes ou armas, mas sim da voz de uma simples empregada na noite da prisão de Jesus, que confrontou Pedro com um monte de interrogações. E nesse momento Pedro protesta dizendo que nem sequer conhecia o Senhor, e fez de contas que nem sabia do que ela estava falando. Para assegurar aos presentes, de um modo ainda mais veemente de que ele não conhecia Jesus, ele chegou mesmo a jurar! Ó Senhor, o que não somos capazes de fazer quando nós estamos entregues a nós mesmos!
Existem pessoas, que fazem questão de dizer, o quanto eles invejam os santos que fizeram grandes penitências! Eles chegam a acreditar que poderiam fazer o mesmo! Às vezes quando lemos sobre a vida de alguns mártires, nós gostaríamos, nós pensamos, estarmos prontos para sofrer tudo que eles sofreram por amor a Deus. Chegamos ao ponto de pensar: é um momento de sofrimento muito curto para a recompensa que vamos receber no Céu! Mas o que faz Deus para nos ensinar a nos conhecermos, ou melhor, para reconhecermos que não somos absolutamente nada? Eis o que Ele faz: Ele permite que o demônio se aproxime um pouquinho mais de nós. E nesse momento, veja o que acontece com os cristãos que há apenas uns minutos atrás invejavam aquele eremita que vive retirado no deserto, alimentando-se somente de ervas e raízes e que fez a firme resolução de submeter seu corpo a duras penitências. Coitado! Uma leve dor de cabeça, a simples espetada de um espinho, o faz se condoer todo por si próprio! Não importando o quão grande e forte ele possa aparentar. Ele se aborrece, reclama da dor. A poucos momentos atrás, estava disposto a fazer todas as penitências dos anacoretas (monges do deserto) e agora, o menor contratempo o faz cair no desespero! 
Agora vejamos esse outro cristão, que parece querer entregar toda sua vida a Deus. Que possui um ardor que tormento algum poderia apagar! Um pequeno escândalo... uma palavra de calúnia... e até mesmo uma fria receptividade ou pequena injustiça cometida contra ele... uma gentileza retribuída com ingratidão... imediatamente desperta nele todos os sentimentos de ódio, vingança e descontentamento, a ponto de freqüentemente, ele desejar nunca mais ver o seu próximo ou pelo menos tratá-lo de um modo frio, de forma a demonstrar o quanto aquela pessoa o ofendeu. E quantas vezes, isso se torna o seu primeiro pensamento ao acordar, assim como o pensamento que sempre o impede de dormir em paz?
Coitado!
Meus caros amigos, nós somos umas coisas pobres, e por isso deveríamos contar muito pouco com nossas próprias resoluções.
Cuidado se você não sofre tentações!
A quem o demônio mais persegue? Talvez você ache que as pessoas que são mais tentadas, são indubitavelmente, os beberrões, os provocadores de escândalos, as pessoas imodestas e sem vergonha que deitam e rolam na sujeira e na miséria do pecado mortal, que se enveredam por toda espécie de maus caminhos. Não, meu caro irmão! Não são essas pessoas! Ao contrário, o demônio os deixa de lado, ou seja ele se apóia nelas enquanto elas vivem, porque do contrário ele não teria tanto tempo para fazer o mal. Isso porque, quanto mais tempo essas pessoas viverem, mais seus maus exemplos arrastarão outras almas para o Inferno. De fato, se o demônio tivesse perseguido esse velho companheiro obsceno e sem-vergonha, ele teria encurtado a duração de sua vida em 15 ou 20 anos, de forma que ele não teria destruído a virgindade daquela garota ali, seduzindo-a para a inominável mira de suas indecências. Ele não teria novamente seduzido aquela mulher casada e nem ensinado suas más lições àqueles rapazinhos, que talvez as continue a praticar até o final de suas vidas. Se o demônio tivesse incitado a este ladrão ali na frente, a roubar em tudo quanto é ocasião, ele teria ido acabar na forca e não teria tempo pra induzir seu vizinho a seguir seu mau exemplo. Se o demônio tivesse encorajado esse beberrão ali, a se embebedar incessantemente com o vinho, ele já teria morrido a muito tempo atrás nas suas libertinagens, e não teria tempo de fazer com que outros seguissem seu mesmo caminho. Se o demônio tivesse tirado a vida deste músico ali, ou daquele organizador de bailes, ou daquele dono de cabaré, em algum tipo de tumulto ou assalto, ou em qualquer outra ocasião, quantas almas não seriam poupadas da danação eterna! Santo Agostinho nos ensina que o demônio não importuna muito essas pessoas; pelo contrário, ele até as despreza e cospe sobre elas. 
Assim, você me perguntaria: então quem são as pessoas mais tentadas? São estas meus caros amigos, observem-nas atentamente. As pessoas mais tentadas são aquelas que estão prontas, com a graça de Deus, a sacrificar tudo pela salvação de suas pobres almas, que renunciam a todas as coisas que a maioria das pessoas buscam ansiosamente. E não é um demônio só que as tenta, mas milhões de demônios procuram armar-lhes ciladas. Uma vez, São Francisco de Assis e todos os seus religiosos estavam reunidos numa área plana e aberta, onde eles tinham erguido algumas choupanas de palha. Buscando um meio de fazer com que todos fizessem penitências extraordinárias, São Francisco ordenou que fossem trazidos todos os instrumentos de penitência, e seus religiosos os trouxeram aos feixes.
Nesse momento, havia um jovem homem a quem Deus concedeu a graça de poder ver o seu Anjo da Guarda. De um lado, ele viu todos esses bons religiosos que buscavam satisfazer sua sede por mais penitências e do outro, o Anjo permitiu-lhe ver uma legião de 18 mil demônios, que estavam se reunindo em conselho para ver de que modo eles poderiam subverter esses religiosos pela tentação. Um dos demônios disse: "Vocês não percebem mesmo! Esses religiosos são tão humildes; Ah! que virtude espantosa! são tão desapegados de si próprios, tão apegados a Deus! Eles possuem um superior que os guia, de forma que é impossível ser bem sucedido em qualquer ataque que façamos a eles. Vamos esperar até que o superior deles morra e então introduziremos entre eles jovens sem nenhuma vocação que trarão um certo relaxamento de espírito para a ordem, e aí sim, nós os venceremos.
Mais tarde, quando esse homem entrou na cidade, ele viu um demônio sentado sozinho no portão de entrada da cidade e que tinha a tarefa de tentar todos os habitantes daquele lugar. Esse santo perguntou ao seu Anjo da Guarda porque motivo, para tentar apenas aquele grupo de religiosos, haviam tantos demônios, ao passo que para toda aquela cidade havia apenas um sentado à sua entrada. Seu bom Anjo respondeu-lhe então, que aquelas pessoas não precisavam de tentação, uma vez que já estavam entregues aos seus próprios pecados, ao passo que aqueles religiosos buscavam fazer tudo que era bom, apesar de todas as ciladas que os demônios podiam armar para eles.
Meus caros irmãos, a primeira tentação com a qual o demônio tenta qualquer um que começou a servir melhor a Deus chama-se "respeito humano". Aquela pessoa acometida pelo respeito humano, não ousará mais a ser vista em todo lugar, passará a se esconder de todos aqueles com os quais ela andava misturada na busca de uma vida de prazeres. Se alguém lhe disser que ela está muito mudada, imediatamente ela ficará envergonhada! Aliás, o que as pessoas vão dizer dela, é a sua contínua preocupação. Chega a um ponto de perder a coragem de fazer qualquer boa ação diante dos olhos alheios. Se o demônio não consegue fazê-la retroceder na caminhada espiritual através do respeito humano, ele infundirá nela um extraordinário medo, dizendo-lhe que suas confissões não servem pra nada, que seu confessor não a entende, que seja lá o que ela fizer, será sempre em vão, que ela irá pra condenação eterna do mesmo modo ou que ela obteria o mesmo resultado (a salvação) no final, deixando tudo correr solto ao invés de continuar a lutar, afinal as ocasiões de pecado já demonstraram ser demais para ela!
Por que será, meus irmãos, que quando alguém não dá a mínima importância à salvação de sua alma, ele parece não sofrer a menor tentação? Mas assim que ele resolve mudar de vida, em outras palavras, assim que ele deseja reformar sua vida para que Deus venha morar nele, imediatamente todo o inferno cai encima dele?
Ouçamos o que nos diz Santo Agostinho a esse respeito: "Do modo como o demônio se comporta em relação ao pecador: Ele atua como um carcereiro que possui muitos prisioneiros trancados em sua prisão, mas como ele não carrega ou não possui a chave que poderia libertá-los dali, ele tranqüilamente pode sair sossegado, certo de que nenhum deles tem como fugir. Este é o modo como ele age com aqueles pecadores que nem sequer consideram a possibilidade de deixar o pecado para trás. Ele nem sequer se dá ao trabalho de tentá-los. Ele vê tais pessoas como perda de tempo, não apenas porque elas não pensam em deixá-lo, mas também porque ele não deseja multiplicar suas cadeias. Por outro lado, seria inútil tentá-los. Ele permite que eles vivam em paz enquanto estiverem vivendo no pecado mortal. Ele esconde do pecador a situação em que ele se encontra, o mais que ele pode, até a morte, e quando acontece dele pintar um quadro da vida daquele pecador, ele o faz de uma maneira tão aterrorizante, que o infeliz pecador súbito cai no desespero. Mas com qualquer um que se decidiu a mudar de vida, que se decidiu a entregar-se completamente à Deus, é toda uma outra história!"
Enquanto Santo Agostinho vivia no pecado e na maldade, ele não tinha porque se preocupar com as tentações. Ele acreditava se encontrar em paz, como ele mesmo nos conta. Mas no momento que ele resolveu a dar as costas para o demônio, ele teve que travar um combate contra ele a ponto de perder sua respiração na luta. E isso durou cinco anos! Ele chorou as lágrimas mais amargas e fez as mais severas penitências: Ele chega ao ponto de dizer: "Eu discutia com ele em minhas cadeias! Um dia eu achei que tinha sido vitorioso, no próximo dia lá estava eu de novo, prostrado no chão. Esta guerra cruel e obstinada durou cinco anos. No final, Deus me concedeu a graça de vencer o combate contra o meu inimigo".
Você pode ver também, a luta que São Jerônimo teve que empreender, quando ele se decidiu a viver apenas para Deus e também quando planejou visitar a Terra Santa. Quando ele ainda estava em Roma, concebeu um desejo novo de trabalhar pela sua salvação. Ao sair de Roma, ele se retirou para um deserto para se entregar a todos os exercícios que o amor por Deus o inspirasse a fazer. Então o demônio, prevendo como sua conversão iria influenciar tantas outras pessoas, se encheu de fúria e desespero. 
São Jerônimo não foi poupado da menor tentação. Eu não acredito que exista um santo que foi mais tentado do que ele. Isto foi o que ele escreveu a um de seus amigos:
"Meu caro amigo, eu quero confidenciar-lhe sobre minhas aflições e o estado ao qual o demônio procura reduzir-me. Quantas vezes nessa vasta solidão, na qual o calor do sol se faz insuportável, quantas vezes os prazeres de Roma parecem me assaltar! A dor e a amargura, das quais minh'alma se encontra repleta, fazem me derramar rios de lágrimas dia e noite sem parar. Eu procurei me esconder nos lugares mais isolados para lutar contra minhas tentações e chorar pelos meus pecados. Meu corpo está todo desfigurado e coberto com uma veste rude em trapos. Eu não tenho outra cama a não ser o chão nu e minha única comida é um cozido de raízes e água, mesmo quando estou doente. Apesar de todos esses rigores, meu corpo ainda se recorda dos sórdidos prazeres dos quais Roma inteira está envenenada, meu espírito ainda se encontra no meio daqueles companheiros de prazer e aventuras com os quais eu tão imensamente ofendi a Deus. Nesse deserto, ao qual eu mesmo me condenei para evitar o inferno, junto dessas rochas sombrias, onde eu não tenho outra companhia, a não ser escorpiões e os animais selvagens, meu espírito ainda queima dentro do meu corpo morto, com um fogo de impurezas. O demônio ainda assim, ousa a me oferecer prazeres para que eu os prove. Eu me contemplo tão humilhado por essas tentações e o único pensamento que me faz morrer de pavor é não saber quais austeridades às Quais eu ainda devo submeter o meu corpo para uni-lo com Deus. Eis porque eu me atiro ao chão, aos pés do meu crucifixo, banhado em minhas próprias lágrimas, e quando eu não posso mais chorar, eu pego algumas pedras e bato no meu peito com elas, até que o sangue saia pela minha boca, implorando por misericórdia, até que Deus tenha piedade de mim.
Será que existe alguém, capaz de entender a miséria do meu estado, desejando tão ardentemente agradar a Deus e amar somente a Ele? Ainda assim, eu estou sempre pronto a ofendê-lo. Que dor isso representa para mim? Ajude-me, meu caro amigo, com o auxílio de suas orações, de forma que eu me torne mais forte para repelir o demônio, que jurou me levar para a condenação eterna".
Meus caros amigos, são esses os combates a que são submetidos os grandes santos de Deus. Coitados de nós! Como somos dignos de pena por não sermos assaltados ferozmente pelo demônio! De acordo com todas as aparências, podemos dizer que somos amigos do Diabo: ele nos faz viver numa falsa paz, ele nos embala no sono, deixando-nos com a pretensão de que recitamos algumas boas orações, distribuímos algumas esmolas e que fizemos menos más ações do que os outros. De acordo com o nosso padrão, meus caros irmãos, se perguntarmos, por exemplo, àquele sustentador do cabaré ali, se o Demônio o tem tentado, ele simplesmente dirá que nada o incomoda absolutamente! Pergunta a esta garota ali, esta filha da vaidade, quais são os combates que ela tem que travar contra o inimigo, e ela vai responder-lhe sorrindo que ela não tem nenhuma luta e que, aliás, ela nem sabe o que é ser tentada. Assim vocês verão, meus caros amigos, que a tentação mais terrível de todas, é exatamente não ser tentado. E vocês verão ainda mais! Vocês verão o estado daqueles a quem o demônio está preservando para o Inferno. Eu ousaria dizer ainda, que ele tem o máximo cuidado em não atormentar tais pessoas com a recordação de suas vidas no passado. Do contrário, seus olhos poderiam se abrir para seus pecados!
O maior de todos os males não é ser tentado porque há então motivos para acreditar que o demônio está apenas esperando nossas mortes para nos arrastar para o inferno. Nada poderia ser mais fácil de ser entendido. Apenas considere o cristão que está tentando, ainda que seja de um modo pequeno, salvar sua alma. Tudo em volta dele parece incliná-lo para o mal, ele dificilmente consegue levantar os olhos sem ser tentado, apesar de todas as orações e penitências! E mesmo assim, um pecador empedernido, que passou uns 20 anos chafurdando na lama do pecado ainda tem a coragem de dizer que não é tentado! Este está num estado muito pior, meus caros amigos, muito pior! Isso é o que deveria fazer você tremer de pavor: não saber o que são as tentações, pois dizer que você não é tentado, é o mesmo que dizer que o Demônio não existe ou que ele perdeu todo seu raio de ação sobre as almas cristãs.
São Gregório nos diz: "Se você não sofre tentações é porque o demônio é seu amigo, seu líder e seu pastor. E ao permitir que você passe sua pobre vida na tranqüilidade, no final de seus dias, ele lhe arrastará com todos os outros para as profundezas do abismo". Santo Agostinho diz-nos que a maior tentação é não sofrer tentações, pois isso apenas significa que uma pessoa assim, é uma pessoa que foi rejeitada por Deus, abandonada por Deus, e deixada inteiramente à mercê de suas próprias paixões.  Fonte

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