Não é só uma declaração sobre o que é
possível realizar juntos pela paz e pela justiça no mundo. Mas sim uma
reflexão sobre a atualidade da Nostra aetate
e sobre a natureza das relações com os cristãos a partir da tradição
judaica. É um salto de qualidade importante que está contido em um novo
documento hebraico intitulado “Fazer a vontade do Pai Nosso nos céus:
rumo a uma colaboração entre judeus e cristãos”.
O documento traz a assinatura de 25
rabinos de expressão do judaísmo ortodoxo e vem à tona em um momento
particularmente significativo: justamente nessa quinta-feira, o Vaticano
apresentou o novo documento da Comissão para as Relações Religiosas com
o Judaísmo, intitulado “Por que os dons e o chamado de Deus
são irrevogáveis (Rm 11, 29). Reflexões sobre questões teológicas
concernentes às relações católico-judaicas por ocasião do 50º
aniversário da Nostra aetate (n. 4)”.
O que sugere que a concomitância entre
os dois textos é algo mais do que uma simples coincidência é o fato de
que um dos signatários do documento judeu – o rabino David Rosen,
diretor para as questões inter-religiosas do American Jewish Committee,
uma das maiores instituições judaicas mundiais – esteve em Roma nessa
quinta-feira ao lado do cardeal Kurt Koch, para a apresentação do
documento vaticano.
Para além desse gesto, também é
significativa a composição do grupo dos 25 rabinos, todos de expressão
do judaísmo ortodoxo: nada menos do que 13 dos signatários, de fato,
vivem em Israel, enquanto os outros residem nos EUA ou na Europa (há
também o ex-rabino-chefe da França, René Samuel Sirat). Mas, entre os
nomes mais conhecidos, está sobretudo o de Benny Lau, rabino muito
conhecido em Jerusalém, sobrinho do ex-rabino-chefe de Israel, Yisrael
Meir Lau, além de descendente de Samson Raphael Hirsch, um dos gigantes
do pensamento judaico do século XIX.
E justamente a referência – tipicamente
judaica – aos grandes mestres da própria tradição salta logo aos olhos
ao se percorrer o documento. O ponto de partida é a Shoá, a grande
tragédia de 70 anos atrás, momento culminante da inimizade entre
cristãos e judeus: “Olhando para trás – escrevem os rabinos –
aparece claramente que a incapacidade de ir além do desprezo e de se
comprometer com um diálogo construtivo pelo bem da humanidade
enfraqueceu a resistência às forças malvadas do antissemitismo que
arrastaram o mundo ao homicídio e ao genocídio”.
Mas essa não foi a última palavra:
“Reconhecemos – continua o texto – que, a partir do Concílio Vaticano
II, o ensinamento oficial da Igreja Católica sobre o judaísmo mudou de
maneira radical e irrevogável. A promulgação da Nostra aetate há 50 anos deu espaço a um processo de reconciliação entre as nossas duas comunidades. Apreciamos
a afirmação da Igreja sobre a unicidade da posição de Israel na
história sagrada e em relação à redenção final do mundo. Os judeus de
hoje já experimentaram o amor sincero e o respeito por parte de muitos
cristãos, através de iniciativas de diálogo, de encontros e de
conferências em todo o mundo”.
Segundo os signatários, porém, isso
também deve levar os judeus hoje a se interrogar sobre quem são os
cristãos no desígnio de Deus sobre o mundo: “Como já fizeram Maimônides e
Yehudah Halevi – continua o documento – reconhecemos que o
cristianismo não é nem um incidente nem um erro, mas um fruto da vontade
divina e um dom para as nações. Separando entre si o judaísmo e o
cristianismo, Deus quis criar uma separação entre companheiros com
diferenças teológicas significativas, não uma separação entre inimigos”.
Daí o convite a um olhar teologicamente
novo sobre a colaboração com os cristãos: “Agora que a Igreja
Católica reconheceu a Aliança eterna entre Deus e Israel, nós, judeus,
podemos reconhecer o perdurável valor construtivo do cristianismo como
nosso parceiro na redenção do mundo, sem nenhum medo de que essa
comunhão possa ser explorada para finalidades missionárias. Como afirma a
Comissão Bilateral entre o Grão-Rabinato de Israel e a Santa Sé, sob a
liderança do rabino Shear Yashuv Cohen, ‘não somos mais
inimigos, mas inequivocamente companheiros na articulação dos valores
morais essenciais para a sobrevivência e o bem-estar da humanidade’.
Nenhum de nós pode desempenhar sozinho a missão que lhe foi confiada por
Deus neste mundo”.
O texto dos 25 rabinos também contém
outras referências importantes para a tradição judaica: por exemplo,
cita uma frase do rabino Naftali Zvi Berliner, outro grande pensador
judeu do século XIX, segundo o qual, “quando os filhos de Esaú forem
conduzidos por uma alma pura a reconhecer o povo de Israel e as suas
virtudes, então nós também seremos conduzidos a reconhecer que Esaú é
nosso irmão”. E acrescenta ainda: “A colaboração entre nós não diminui
de modo algum as diferenças que permanecem entre as duas comunidades e
as duas religiões. Cremos que Deus se serve de muitos mensageiros para
revelar a Sua verdade, enquanto afirmamos os imperativos éticos
fundamentais que todos os povos têm diante de Deus e que o judaísmo
sempre ensinou através da doutrina da aliança universal de Noé”.
“Imitando Deus, judeus e cristãos devem
ser modelos de serviço, amor incondicional e santidade”, concluem os 25
rabinos. “Somos todos criados à imagem santa de Deus, e judeus e
cristãos permanecerão fiéis à Aliançadesempenhando juntos um papel ativo
na redenção do mundo.”
Giorgio Bernardelli, publicada no sítio Vatican Insider