Os impedimentos matrimoniais
estipulados pelo Direito Eclesiástico são de duplo gênero: uns
dirimentes, outros meramente proibitivos. Os primeiros fazem que
absolutamente nulo seja o matrimônio religioso que os noivos tentem
contrair sem ter obtido dispensa prévia. Os impedimentos proibitivos não
tornam inválido o contrato, mesmo que este se efetue sem dispensa
prévia; fazem-no, porém, ilícito.
Eis os doze impedimentos dirimentes:
1) A idade
(cân. 1067). O Direito Canônico exige dezesseis anos completos para o
rapaz e quatorze para a jovem que se queiram unir em matrimônio. — Já
que este impedimento depende de positiva determinação eclesiástica, a
Igreja pode dispensar dele.
2) A impotência (cân. 1068).
Trata-se da incapacidade de consumar a união física ou de realizar a
cópula conjugal, incapacidade proveniente de constituição orgânica ou de
defeito funcional (carência de membro viril ou de ambos os testículos,
estreiteza do órgão feminino...). Não se trata da incapacidade de
gerar ou da esterilidade fisiológica, a qual é compatível com a
capacidade de efetuar a cópula conjugal.
Para que a impotência seja impedimento
dirimente, faz-se mister que ela exista no momento do casamento e tenha
caráter incurável ou só possa cessar mediante uma operação difícil ou
ilícita ou de resultado incerto. Não vem ao caso, por conseguinte, a impotência temporária, seja qual for o seu motivo.
Este impedimento é de direito natural
(versa sobre a matéria essencial do casamento); por isto a Igreja não
pode dispensar a tal respeito. Pelo motivo de afetar diretamente o
objeto do contrato matrimonial, a impotência torna nulo o casamento,
quer um dos cônjuges conheça, quer ignore a incapacidade do outro.
3) O vínculo (cân.
1069). Quem está validamente ligado por anterior matrimônio, não pode
contrair outro — proposição óbvia, visto ser o casamento cristão
indissolúvel. Excetuam-se, porém, os casos compreendidos no «privilégio
paulino» ou, mais largamente, no «privilégio da fé», (ver Privilégio Paulino).
4) A disparidade de cultos
(cân. 1070). Opõe-se ao casamento de uma pessoa não batizada com outra
que, validamente batizada, haja sido durante algum tempo membro da
Igreja Católica (ainda que depois a tenha abandonado). Presume-se válido
o batismo conferido em certas comunidades protestantes, caso se tenham
empregado a matéria e a forma devidas.
A Igreja só concede dispensa deste
impedimento, dado que o cônjuge não católico prometa deixar ao católico
ampla liberdade para praticar a sua religião e ambos se comprometam a
mandar batizar e educar toda a prole na Igreja Católica.
Dir-se-á talvez que, por esta
cláusula, a Igreja ultrapassa seus direitos impondo a um não católico
atitude contrária às suas convicções. Tenha-se em vista, porém, o liame
que prende a Igreja a seus filhos; ela tem o poder e o dever de proteger
a fé de seus fiéis; por conseguinte, se um destes pede favor
excepcional, toca à autoridade eclesiástica formular as condições que
ela julgue necessárias ao bem do fiel católico; a parte não católica
será assim afetada, mas indiretamente apenas, ou seja, pelo fato de
querer entrar em relações matrimoniais com um membro da Igreja.
5) A ordem sacra
(cân, 1072). Bispos, sacerdotes, diáconos e subdiáconos não podem
receber validamente o sacramento do matrimônio. No Oriente unido a Roma,
porém, o Direito eclesiástico permite a varões casados receber o
subdiaconato, o diaconato e o presbiterado (não o episcopado) e
continuem a sua vida conjugal ao mesmo tempo que exercem o ministério
sagrado. Contudo nem no Oriente seria lícito a um diácono ou a um
presbítero casar-se depois de ordenados.
O impedimento de ordem é de Direito
eclesiástico; pode por isto ser dispensado em circunstancias
excepcionais, com maior facilidade para os subdiáconos, com extrema
parcimônia para os presbíteros (notam-se, porém, casos recentes de
pastores protestantes que, casados, se converteram à Igreja e foram
ordenados sacerdotes, conservando o direito de viver conjugalmente; cf.
«P. R.» 4/1957, qu. 7).
6) O voto de castidade
proferido por Religiosos (cân. 1073), seja voto solene, seja voto
simples ao qual a Igreja tenha associado o efeito de tornar nulo o
matrimônio (caso que se dá por exemplo, na Companhia de Jesus). A
solenidade do voto aqui mencionada não depende da cerimônia durante a
qual os votos são emitidos, mas do valor que lhes atribui a Igreja.
Também este impedimento admite dispensa, por ser de Direito eclesiástico.
7) O rapto (cân.
1074). Não pode haver casamento válido entre o varão que, para contrair
matrimônio, haja raptado uma mulher, e esta sua vítima, enquanto a
vitima estiver detida sob violência pelo pretendente. Desde, porém, que a
mulher posta em liberdade e em lugar seguro declare aceitar o raptor
por marido, cessa o óbice ao matrimônio.
Embora este impedimento seja de
Direito eclesiástico, a Igreja jamais dele dispensa, pois está em poder
do raptor fazer que o impedimento cesse por si mesmo.
8- O crime (cân. 1075). Por «crime» entende-se aqui um atentado contra matrimônio já existente. Pode tomar quatro modalidades:
8 – a um varão e uma mulher cometem
adultério entre si e prometem um ao outro unir-se em matrimônio logo que
morra o cônjuge legítimo (ou morram os respectivos cônjuges);
8.b) o varão e a mulher, postos nas circunstâncias acima, chegam a contrair matrimônio civil.
Estes dois casos a) e b) se verificam
todas as vezes que cristãos divorciados e casados de novo no foro civil
queiram regularizar sua situação perante a Igreja após a morte do
cônjuge legitimo ou dos respectivos cônjuges legítimos). Saibam que há
impedimento dirimente para o casamento religioso, impedimento, porém,
que, sendo de Direito eclesiástico, pode ser dispensado;
8.c) um varão e uma mulher cometem
adultério entre si e, a seguir, um deles mata o respectivo cônjuge, a
fim de se casar com o cúmplice;
8 – d um varão e uma mulher,
conjugando esforços, matam o respectivo cônjuge no intuito de contrair
matrimônio entre si. Em tal caso não é preciso haja adultério para que
surja o impedimento.
As duas últimas modalidades do óbice de
crime não são dispensadas senão com dificuldade, dado o perigo de
escândalo daí decorrente, mormente se o assassínio é de conhecimento do
público.
9) A consanguinidade (cân. 1076).
Consanguinidade é o vinculo que une pessoas procedentes do mesmo tronco por via de geração.
Para se avaliar a consanguinidade, é preciso distinguir tronco, linha e graus.
Tronco é a pessoa da qual procedem todos os consanguíneos.
Linha é a série de pessoas unidas por
consanguinidade. Pode ser reta ou vertical e oblíqua ou colateral. É
reta, se as pessoas da mesma série descendem uma da outra por via de
geração. É oblíqua ou colateral, se as pessoas descendem do mesmo
tronco, não, porém, uma da outra; a linha colateral é dita igual, quando
as pessoas de que se trata distam igualmente do tronco comum; é
desigual, em caso contrário.
Grau é a distância que medeia entre
duas pessoas da mesma linha ou o número de gerações que se interpõem
entre elas. Em Direito Canônico, o grau em linha reta se mede
contando-se as gerações ou as pessoas vinculadas entre si, excetuado
apenas o tronco ou a pessoa donde as demais procedem; assim, por
exemplo, avô e neto são consanguíneos em segundo.grau. Em linha oblíqua
igual, o grau se mede contando-se as gerações da linha; assim os primos
irmãos são consanguíneos em segundo grau. Em linha oblíqua desigual,
conta-se o grau de acordo com o número de gerações da linha mais longa.
A pertinência à mesma estirpe na linha
vertical é impedimento dirimente em todo e qualquer grau; por
conseguinte, a Igreja não admite matrimônio entre ascendentes e
descendentes em linha reta: genitores e prole (o que é certamente contra
a natureza), avós e netos (o que provavelmente também é de direito
natural, e explicitamente de Direito eclesiástico).
A consanguinidade em linha colateral
também é impedimento até o terceiro grau inclusive, isto ó, até o
parentesco entre primos oriundos de primos irmãos (primos segundos). A
Igreja não admite o casamento entre irmão e irmã (mesmo que só tenham um
genitor comum), pois se trata, em tal caso, de impedimento
provàvelmente derivado do direito natural. Quanto à consanguinidade ente
tios e sobrinhos, as autoridades eclesiásticas declararam que, para ser
dispensada, se requerem motivos mais imperiosos do que os que são
comumente alegados em outros casos. Quanto mais remoto é o grau de
parentesco, tanto menos dificilmente se obtém dispensa.
A consanguinidade ilegítima já basta para dar lugar ao impedimento.
10) A afinidade (cân.
1077). Por «afinidade» designa-se o vínculo legal existente entre um
dos cônjuges e os consanguíneos do outro. A afinidade é avaliada de tal
sorte que os consanguíneos do marido são considerados, na mesma linha e
no mesmo grau, afines da esposa, e vice-versa.
É impedimento dirimente a afinidade em
linha reta, qualquer que seja o seu grau, O que quer dizer que o viúvo
não se pode casar com a mãe de sua defunta esposa (genro com sogra), nem
a nora viúva com o respectivo sogro, nem o padrasto com a enteada. A
Igreja muito dificilmente concede dispensa em tais casos.
Também é impedimento
dirimente a afinidade em linha colateral até o segundo grau. Donde se
segue que, sem dispensa, o viúvo não se pode casar com a irmã, a tia, a
sobrinha, a prima irmã de sua defunta esposa. A dispensa da afinidade em
linha colateral se obtém sem grande dificuldade.
11) A honestidade pública
(cân. 1078). O impedimento de honestidade pública é o que resulta de
uma situação análoga à afinidade, situação, porém, ocasionada não por
autêntico casamento, mas por matrimônio inválido ou concubinato público.
Este impedimento é menos extenso do que os dois precedentes: só torna
inválido o casamento entre o varão e as consanguíneas cm linha reta, ate
o segundo grau, daquela que foi sua companheira, e vice-versa. Por
conseguinte, o concubino não se poderá casar, sem dispensa, com a filha
ou com a neta de sua concubina, e vice-versa. O impedimento de pública
honestidade em segundo grau pode ser dispensado sem grande dificuldade.
Os óbices de consanguinidade, afinidade
e honestidade pública são impostos pelo Direito eclesiástico a fim de
deter, de certo modo, as desordens na sociedade; visam proteger a
decência natural que deve reinar entre pessoas da mesma família, Daí o
seu notável alcance social.
12) O parentesco espiritual
(cân. 1079), É o vínculo que resulta do sacramento do batismo, tornando
nulo o matrimônio a pessoa batizada com aquele que a batizou ou com um
dos respectivos padrinhos (seja lícito recordar que o batismo pode ser
administrado não somente por um clérigo, mas também, em caso de
urgência, por um leigo, varão ou mulher). — Tal óbice é suscetível de
dispensa.
Os impedimentos acima, pelo fato de tornarem nulo o casamento, são comumente alegados nos processos matrimoniais.
O papel dos juízes eclesiásticos consiste apenas em averiguar, na base
de depoimentos orais e escritos se, em tal caso dado, houve ou não algum
dos óbices dirimentes, não previamente dispensado; caso se possa
realmente provar a existência do impedimento, a Igreja declara
nunca ter havido casamento entre as duas pessoas interessadas, as quais
por conseguinte ficam habilitadas a receber validamente o sacramento do
matrimônio.
Dom Estêvão Bettencourt (OSB)
Fonte: Blog do Carmadélio